quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Eu quase falei mal do Eike Batista



Sentei aqui para escrever um artigo falando mal do Eike Batista. Motivos não faltam: o cara montou um conglomerado onde uma empresa era cliente da outra, fazia planos megalomaníacos e colocava a letra X nos nomes dos negócios. Mas aí lembrei que moro no Brasil.

Moro em um país em que o sonho de 9 entre 10 dos nossos jovens mais talentosos é ser funcionário público, de preferência Auditor Fiscal da Receita Federal. "Esse é o Brasil", dizia o motorista do táxi que peguei semana passada, e que tinha acabado de passar em concurso para policial no interior do estado XYZ. "Todos os meus colegas já estão brigando pelos cargos", anunciava ele, "é Roubos e Furtos, é Anti-Sequestro. Eu quero ser motorista do IML, trabalhar só oito horas a cada quatro dias".

Vivo em um país onde um funcionário público que chefia 100 outros funcionários é um servidor da nação, mas um empresário que emprega 100 pessoas é um explorador do trabalho alheio. Vivo em um país em que ser capitalista - gerar empregos e pagar os impostos que alimentam o Estado - é pecado grave. É o que ensinamos há décadas em nossas escolas e universidades.

Um país em que membros de um dos poderes da República que prefiro não nomear (dica: não é o Executivo nem o Legislativo) receberam, para fazer um curso de uma semana em Miami, o valor de R$ 7.275,00 (sete mil duzentos e setenta e cinco reais ) de diária (você leu certo, mais de sete mil reais por dia). Esse é um país onde sindicatos de empregados e empresas são financiados com tributos, onde associações estudantis recebem verbas do governo, onde artistas famosos fazem shows milionários pagos pelo Estado. 

É claro que a história do Eike também tem financiamento do BNDES, dinheiro de fundos de pensão estatais e envolvimento de poderosos. Mas, lembrem-se, esse é um país onde se fazem leis para determinar o tamanho padrão das mesas de sinuca dos botecos (pensam que estou brincando ? dá um Google aí - foi em São Paulo) e obrigar os pescadores de beira de praia a usar "colete flutuante com apito acoplado e tênis com sola de borracha” (no Rio de Janeiro). Enquanto isso uma obra orçada em R$ 80 milhões acaba custando quase R$ 500 milhões (Cidade da Música, no Rio), emissários submarinos jogam ao mar bilhões de litros de esgoto in natura e 50 mil pessoas são assassinadas por ano (para comparação: na Índia são 3 mil, na China 9 mil, nos Estados Unidos 12 mil).

E eu quase falei mal do Eike - um sujeito que, bem ou mal, teve a energia e a coragem para criar empresas, empregar pessoas, sonhar sonhos de produção, de criação, de enriquecimento. Pode não ter dado certo, e ele pode ter feito coisas erradas, mas assim é o capitalismo: ele deve pagar por seus erros e dívidas e sair do caminho, outros vão continuar de onde ele parou, dar um reboot nos seus sonhos. Serão minas, portos, usinas e hotéis que continuarão existindo, gerando empregos e pagando impostos.

O capitalismo não é feito só de sucesso. Ele é feito de tentativa e erro, de muitas apostas que são perdidas e algumas poucas que dão muito certo.  Deixar de entender isso, e de incentivar os poucos corajosos que ainda se dispõem a empreender, é a loucura do Brasil - uma loucura que impede o progresso e eterniza no poder uma pequena casta de privilegiados, sob o manto de um Estado que pode tudo.

Eu quase falei mal do Eike Batista.

Autor: Roberto Motta, carioca adotivo, engenheiro, ativista comunitário e empresário. Seus interesses são política, fotografia, literatura, tecnologia e tudo relacionado com o mar.

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