quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Carta aberta ao senhor prefeito



O artigo abaixo foi extraído do jornal O Globo, de sexta-feira, primeiro dia do mês de fevereiro, cinco dias após a tragédia da boate Kiss, no município de Santa Maria (RS), que matou até agora 238 jovens. Achei que o desabafo desse pai se encaixa, de maneira perfeita, no triste contexto desses dias e acrescento que ele deveria ser dirigido não só ao prefeito do Rio de Janeiro, mas aos prefeitos de todos os municípios do Brasil. É preciso que se faça cumprir a lei e que se de um fim a alguns fiscais inescrupulosos, que o Brasil tem em profusão, que vendem alvarás em troca de míseros reais, pouco se lixando com as consequências que tal ato criminoso possa gerar. Aliás, fica aqui o alerta para todos os prefeitos do país.


"Prezado senhor Eduardo Paes, como está a situação das boates da cidade que o senhor administra? Conheço, por fora, uma boa quantidade delas. Levo e busco minhas duas filhas, gêmeas de 18 anos, nas baladas. Não sou porta-voz de pais de jovens, mas creio traduzir o sentimento da maioria deles. Confesso que estou em pânico. Acredito que uma boa quantidade dessas boates é uma ratoeira igual à Kiss de Santa Maria (RS).

Diante de tanta dor vinda do Sul, sei exatamente como se sentem as centenas de pais que perderam seus filhos naquela tragédia. Estão devastados. Sei como estarão daqui a seis anos. Amputados de um pedaço de si. Sei porque, no dia 3 de setembro de 2006, perdi minha filha, então com 17 anos. Foi na Tragédia da Lagoa, relembro aquele desastre de automóvel no qual morreram os cinco jovens que estavam no carro dirigido em alta velocidade pelo motorista alcoolizado. Voltavam de uma festa. Levo flores e visito sempre, às margens da Lagoa, a árvore que interrompeu os sonhos da minha filha. Não tenho dúvida que esse fato contribuiu para a criação da Lei Seca, que hoje salva vidas.

Enterrar um filho é a única dor que não tem fim. Seus pais sabem disso, senhor prefeito. Acho que todos os comandantes bombeiros das cidades do país e aqueles encarregados de fiscalizar a segurança das boates deveriam estar agora em Santa Maria, ouvindo o choro desesperado e a revolta daqueles pais. Ficariam surdos com os gritos, muitos deles silenciosos.

Mas, voltando à nossa cidade, não seria vital uma vistoria rigorosa em todas as boates? Como não posso proibir minhas filhas de viverem sua juventude, também não gostaria de ser obrigado a fornecer a elas um kit-sobrevivência: máscara contra gases tóxicos, lanterna, um extintor portátil e uma picareta para romper paredes. Não caberia na bolsa.

Mais fácil seria o poder público exercer com rigor aquilo que lhe compete: fiscalizar o cumprimento das exigências de segurança, lacrar boates em desacordo e até fechar se for preciso. O que não podemos é sentir medo, ou mais, terror, que nossos filhos não voltem por culpa da ganância de empresários e pelo descaso e leniência do estado.

Já vivi isso quando encontrei minha filha sob um plástico preto, ao lado de um carro destruído. Sei que “Viver é muito perigoso” escreveu Graciliano Ramos, mas podemos minimizar isso procurando ser corretos e exercendo com rigor o que nos compete. Em respeito à memória dos mais de 200 jovens e à dor de seus pais, ninguém deve dizer que aquela tragédia foi uma fatalidade. Foi desprezo pela vida humana.

Caro prefeito, quero crer que o senhor já deve estar tomando suas providências, afinal, o senhor é um homem de ação. Mas nós, pais, precisamos ter a certeza de que o rigor no cumprimento das normas de segurança será aplicado em cada casa noturna e que essa fiscalização não será passageira, apenas enquanto durarem na mídia as dolorosas imagens de Santa Maria.”

*Gabriel F. Padilla é advogado

Abaixo o drama deste pai vivido em 2006


O telefone tocou às 6 horas da manhã na casa de Gabriel Padilla. Ao telefone, uma amiga da filha dele, chorando, avisava sobre o acidente. Ao chegar à Lagoa, a dúvida de Gabriel sobre a gravidade da situação transformou-se em terrível constatação. Encontrou um carro destroçado e corpos estirados na calçada. Entre eles, o de sua filha, Ana Clara Rocha Padilla, de 17 anos. A jovem pegou uma carona ao sair de uma boate na Lagoa. O carro, com os cinco amigos, em alta velocidade, bateu em uma árvore. Não houve sobreviventes. O desespero das famílias no canteiro central da Lagoa, na manhã de domingo, 3 de setembro, chocou os cariocas e expôs um grave problema: há uma repetição de tragédias envolvendo jovens no trânsito.

Nenhum comentário: