Da
Folha de São Paulo
Abertos
à consulta pública pela primeira vez, documentos da Presidência da República
revelam como funcionava o filtro usado pelo governo para barrar aliados infiéis
ou desafetos nas viagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu
primeiro mandato (2003-2006).
Os
papéis também mostram o tamanho das comitivas e o costume de autoridades e
parentes de pegar carona nos voos presidenciais. Documentos chegaram em março
ao Arquivo Nacional de Brasília após pedido da Folha. Preferências de Lula
incluíam água e uísque importados, revelam documentos.
O
material evidencia que de 2003 a 2004, o então assessor do ministro José Dirceu
na Casa Civil, Waldomiro Diniz, na condição de subchefe de assuntos
parlamentares do órgão, era o principal consultado na hora de o cerimonial
colocar ou retirar parlamentares da lista de convidados.
Diniz
deixou o governo no início de 2004, após a revelação de um vídeo no qual
discutia recebimento de dinheiro do empresário de jogo Carlinhos Cachoeira,
escândalo que gerou a CPI dos Bingos.
Até então, mostram os
papéis, Diniz era ouvido a cada viagem. A resposta quase sempre era a listagem
com os nomes dos parlamentares acompanhados de sinais de “s”, de sim, e “n”, de
não.
Um dos documentos diz que
Diniz orientava diretamente o cerimonial: “Esclareço que atendendo orientação
do senhor Waldomiro, o deputado Paulo Rocha informou e orientou os seguintes
convidados”, e segue a listagem.
Com a saída de Diniz, o
trabalho passou a ser feito por outros servidores da Coordenação Política e
Assuntos Institucionais do Planalto.
E-mails de Fredo Ebling
Júnior, cujo papel era coordenar as assessorias parlamentares dos ministérios,
demonstram a preocupação do governo com a CPI dos Bingos. Nos preparativos para
uma viagem de Lula ao Acre, Ebling Júnior informou: “O senador Geraldo Mesquita
(PSB) assinou requerimento a favor da CPI no Senado e anunciou que deixaria a
base do governo. [...] Nossa opinião aqui no ministério é a de que ele não
deveria fazer parte da comitiva, mas vale uma consulta ao governador”.
Ao vetar o senador Magno
Malta (PL-ES) para viagem a Araras (SP), o assessor comentou que “há
constrangimento em função da atitude dele na CPI dos Bingos”. Malta apoiara a
comissão. Nove anos depois das viagens, ouvido pela Folha, Fredo Ebling Júnior
disse que o objetivo era evitar constrangimentos. “Talvez uma foto do
presidente com o Demóstenes [Torres, então senador pelo PFL] pudesse ter sido
explorada politicamente.”
Um papel mostra que a
senadora Heloisa Helena, então o principal nome do PT em Alagoas, foi vetada em
uma viagem de Lula a o Estado em novembro de 2003, onde seria lançada a
política nacional de igualdade racial. Dois meses antes, Heloisa havia feito
críticas ao governo.
Papéis que discriminam
número e atividade de militares sob ordens do Gabinete de Segurança
Institucional que acompanharam Lula nas viagens têm tarja de “reservado”.
Algumas viagens empregaram
dezenas de servidores públicos, deslocados em aviões separados, um Boeing 707 e
outro 737. A viagem que Lula fez ao Japão e à Coreia do Sul, em maio de 2005,
mobilizou três aviões e 113 passageiros, sem contar as tripulações.
Em março, a presidente Dilma
Rousseff foi criticada por ter levado comitiva que ocupou 52 quartos de hotel
em Roma para acompanhar a entronização do novo papa.
Em 2005, quando do velório
do papa João Paulo 2º, a comitiva de Lula também foi grande, com 49 pessoas.
Em 2003, por ocasião da 58ª
reunião da ONU, a comitiva de Lula ocupou 24 quartos no hotel Marriott
Courtyard. Para a China, de 22 a 27 de maio de 2004, a comitiva presidencial
contou com 58 pessoas.
Outro lado
Procurado, o ex-presidente
não comentou o assunto.
A Secretaria de Comunicação
Social da Presidência informou que “a composição da lista de passageiros
depende das circunstâncias e das agendas previstas”.
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