A fraude
beneficia parentes e assessores de políticos em todo o país e empresa de Francisco Beltrão participa do esquema.
Do G1
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Repórter: "Cinco a senhora garante a aprovação"?
Neide
Ferreira: "Cinco eu posso garantir".
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Passar
em um concurso público não é fácil. E pode ficar praticamente impossível se as
vagas já estão marcadas. O Fantástico mostra o golpe que transforma concursos
em cabides de emprego. A fraude beneficia parentes e assessores de políticos em
todo o país.
Repórter: Quantos concursos o senhor acha que já fez?
Dono
de empresa: Uns 500.
Repórter: De cada dez concursos que o senhor fez, em quantos houve fraude?
Dono
de empresa: Oito.
Repórter: Você me dá o gabarito antes?
Dono
de empresa: Fala baixo.
Dez milhões de brasileiros participam de concursos públicos a cada ano. E uma
quantidade incalculável deles está sendo passada pra trás. Veja o que o
Fantástico apurou: em todos os 26 estados do Brasil e no Distrito Federal, os
ministérios públicos investigam algum tipo de fraude em concursos públicos. É
maracutaia em todo o país! Só na Bahia, por exemplo, foram 36 casos de
irregularidades em
concursos. Em Mato Grosso do Sul, as questões de um concurso
foram copiadas de uma prova feita antes, no Pará. E, no Maranhão, um analfabeto
foi aprovado graças ao esquema montado por um secretário municipal, parente
dele.
Veja o que o ex-dono de uma empresa que fraudava concursos conta. Ele diz que
agora se afastou dessa atividade:
Repórter: Qual era o perfil dos candidatos beneficiados aprovados
fraudulentamente?
Ex-dono de empresa: Unicamente apadrinhados políticos da administração
municipal.
A maior parte das fraudes acontece nos concursos municipais. Prefeitos e
vereadores contratam uma empresa para organizar a prova e indicam os candidatos
que eles querem ver aprovados.
“A esposa do prefeito passou em primeiro lugar, a secretária de educação passou
em primeiro lugar no outro cargo, o secretário de administração passou em
primeiro lugar em outro cargo”, conta uma mulher.
Em Novo Barreiro,
no Rio Grande do Sul, aconteceu um caso curioso: uma mulher, que tentou se
beneficiar da fraude, mas acabou reprovada, resolveu denunciar o prefeito. “Ele
chegou lá na minha casa e falou assim: ‘os meus eu tinha que deixar bem. Eu fiz
o concurso dessa maneira porque eu não ia fazer um concurso para passar
qualquer um’”, lembra.
O prefeito Flavio Smaniotto não quis comentar a acusação. “Irmã do secretário
de administração, sogra do secretário de administração, primo do secretário de
administração”, diz. A fiscal de um concurso em Itati, no Rio Grande do Sul,
notou que vários candidatos entregaram a prova quase em branco e mesmo assim
foram aprovados. “Sobrinha do prefeito, sobrinho do prefeito, filho do
prefeito”, conta.
É a oficialização do cabide de empregos. “O perfil que nós identificamos é
sempre de alguma forma ligado ao administrador. Ou por laços de parentesco, ou
por afinidade partidária, político-partidária, ou até mesmo quem já presta
serviços ao Executivo”, explica o promotor de Justiça Mauro Rockembach.
Trinta e oito candidatos foram indiciados na cidade, mas a maioria deles
continua a ocupar os cargos conseguidos irregularmente.
Durante dois meses, com uma câmera escondida, o Fantástico gravou conversas com
representantes de empresas que organizam concursos públicos.
No início, o contato é cauteloso, como aconteceu com Marcos Perin, dono da
empresa Inova.
Marcos Perin: A partir de hoje, não pode mais ter contato comigo, tá?
Repórter:
Não, não.
Marcos:
Contato zero.
Os empresários não querem deixar pistas. Luiz Pereira de Souza é o dono da
Ascon: “O importante é não falarmos por telefone. Telefone é brabo”.
Mas depois de um certo tempo, a conversa com os empresários fica explícita.
Clóvis Pauleti é sócio de Marcos Perin na Inova.
Repórter: Você consegue aprovar três?
Clóvis
Pauleti: Dez vagas, três, eu consigo.
Para algumas empresas, o repórter Giovani Grizotti se apresenta como assessor
de uma prefeitura paranaense. Para outras, como assessor da câmara de
vereadores de uma cidade gaúcha. A investigação foi feita com conhecimento
tanto do prefeito quanto do presidente da câmara.
Repórter: Cinco a senhora garante a aprovação?
Neide
Ferreira: Cinco eu posso garantir.
Neide Ferreira é dona da empresa DP (Francisco Beltrão – Paraná). Para ficar
com o contrato, ela negocia propina ao suposto assessor da prefeitura e o valor
da fraude já vem com a previsão do imposto.
Repórter: O imposto da minha comissão a senhora joga no valor do contrato?
Neide:
É, no contrato.
Repórter:
Vamos supor R$ 19 mil. Vamos dizer que eu fique com R$ 3 mil, aí ficaria R$ 22
mil.
Neide:
R$ 22 mil. Daí eu jogaria com R$ 22,5 mil.
Repórter:
R$ 500 de imposto.
Neide:
É.
Luís Pasinato é representante da empresa Lógica. Quando o repórter diz que quer
indicar oito candidatos, Luiz responde que isso tem um preço: “Digamos assim
que eles aceitem pôr oito. Eles pedem em torno de R$ 5 mil por caso”.
Repórter: R$ 5 mil para aprovar cada candidato?
Luís
Pasinato: Candidato indicado eles pedem R$ 5 mil.
Aqui, se negociar direito, ganha desconto.
Repórter: Esse valor que você me deu, R$ 5 mil, é o que a empresa costuma
cobrar?
Luís Pasinato: Vamos ver. É o que costuma, mas eu estou pensando que é para
dois, três cargos. De repente, para essa quantidade, fique bem menos.
E o representante da Lógica pede mais um dinheirinho por fora, na conta dele:
“Como
é um caso de extremo risco para mim, de alta confiabilidade, melindroso, eu
sempre peço alguma coisa por fora. É para engrossar um pouco para valer a pena.
E aí eu gostaria que você me depositasse, assim que estiver contratado e tudo
definido, R$ 3 mil na minha conta”.
É a comissão da comissão. Ou seja: além de pagar para as empresas, paga-se
também propina para o representante da empresa. Negócio fechado. Agora o
suposto assessor quer saber como os seus candidatos serão aprovados no
concurso.
“Isso aí você deixa comigo que eu sou especialista. A gente faz o concurso com
tudo normal, bonitinho. A pessoa faz a prova e não comenta com ninguém. Depois,
nós trocamos o gabarito”, explica José Roberto Cestari.
Repórter: Tira o cartão que o candidato preencheu e bota um cartão com as
respostas certas.
Luiz
Pereira de Souza: Isso.
“Só que ele não pode bater com a língua nos dentes e falar: ‘não passei’. Se
ele falar ‘não passei’, seja para quem for, como é que você vai ajeitar a vida
do cara?”, ensina Celso Rangel de Abreu.
Celso Rangel de Abreu é diretor da empresa RCV e explica como faz a fraude:
“Ele tem que dizer que foi bem. ‘Foi bem, acho que deu pra passar’. O que eu
vou fazer para essa meia dúzia? Eu vou imprimir novamente os cartões-resposta,
vou pedir para ele assinar”.
Repórter: Ou seja, o cartão-resposta vai ser trocado.
Celso:
Vai ser trocado.
Repórter:
Onde ele marcou errado, você marca certo.
Celso:
Eu marco certo.
Foi isso que a fiscal do início dessa reportagem descobriu ao rever os cartões
de respostas que, no dia da prova, tinham sido entregues quase em branco.
“Quando os cartões-resposta vieram estavam todos preenchidos”
Repórter: Mas se denunciarem não dá problema? “Não”, garante Luiz Pereira de
Souza.
“O promotor vai achar que você não tem capacidade em uma prova?”, questiona
José Roberto Cestari, dono da empresa Cescar. “Isso aí tu deixa comigo que eu
sou especialista”, avisa.
Ele ensina ao suposto assessor uma forma de não chamar atenção para a fraude:
adiar a convocação dos apadrinhados: “Se você tem dez vagas, você passa o cara
lá em oitavo, nono lugar. Chama dois esse mês, depois chama mais dois. Porque
os mais visados são o primeiro e segundo lugar”.
Você deve estar indignado com os truques de quem frauda concursos públicos.
Então preste atenção em mais um: a venda do gabarito antes das provas. A mulher
que denunciou o cabide de empregos em Novo Barreiro diz que o prefeito da cidade vendia
as respostas certas por um valor que depois era descontado no salário de quem
entrava no esquema.
Repórter: Como que o prefeito conseguiu justificar este desconto nos salários?
Fiscal:
Porque eles fizeram como se as pessoas tivessem feito um empréstimo no banco e
dividido para as pessoas pagarem.
Mas o banco nega que esses empréstimos tenham sido feitos. Um candidato do Rio
Grande do Sul seguiu as regras e tentou passar honestamente em um concurso que
agora é investigado por fraude. Mesmo sendo a vítima, ele prefere não aparecer:
“Eu, minha esposa e o meu filho, a gente queria uma oportunidade, que o lugar é
pequeno, tem pouco trabalho. A gente tentou pelo menos um salário melhor, uma
estabilidade melhor”, diz.
“É muito injusto que, enquanto alguns estudam, correm atrás, gastam seus
recursos financeiros, seu tempo, sacrificam família para passar em um concurso
público, e outra pessoa vai e compra esse espaço”, destaca Augusto de Souza
Neto, presidente da Associação Nacional de Concurseiros.
“Quando a gente fala em fraude em concurso, a gente está falando de você botar
corrupto e gente que vai ficar achacando a população. Nós temos inclusive
projetos no Congresso que estão parados sem a atenção devida. E essa lei de
concursos tem que criar instrumentos para que uma empresa de fundo de quintal
não possa fazer concurso”, afirma o juiz federal William Douglas.
Repórter: Seu Luís, você vende vagas em concurso público, é isso?
Luís
Pasinato: Eu não vendo.
Repórter:
O senhor está sendo acusado de fraudes em concursos públicos, o senhor
confirma?
Luiz
Pereira de Souza: Claro que não.
Repórter: Nunca aprovou ninguém de maneira fraudulenta?
Celso
Abreu Rangel: Certeza absoluta.
Repórter: Não cobra imposto sobre propina?
Neide
Maria Ferreira: Imposto não, de jeito nenhum.
Marcos Perin é sócio de Clóvis Pauleti.
Repórter: O senhor está sendo acusado de fraude em concursos públicos, o que o
senhor tem a dizer?
Marcos
Perin: Nada, não tenho nada a dizer.
Repórter:
O senhor nunca ofereceu vaga de maneira fraudulenta em concursos públicos?
Marcos Perin: Nada.
“Eu achei que foi cachorrada. Muita gente deixou de fazer muita coisa, se
deslocou de longe, foram feitas de palhaço”, reclama o candidato honesto.
Repórter: O que o senhor pensaria de uma empresa que fraudasse concursos
públicos?
José Roberto Cestari: Eu acho que ela está fazendo uma coisa muito errada.