Sentei aqui para escrever um artigo falando mal do
Eike Batista. Motivos não faltam: o cara montou um conglomerado onde uma
empresa era cliente da outra, fazia planos megalomaníacos e colocava a letra X
nos nomes dos negócios. Mas aí lembrei que moro no Brasil.
Moro em um país em que o sonho de 9 entre 10 dos
nossos jovens mais talentosos é ser funcionário público, de preferência Auditor
Fiscal da Receita Federal. "Esse é o Brasil", dizia o motorista do
táxi que peguei semana passada, e que tinha acabado de passar em concurso para
policial no interior do estado XYZ. "Todos os meus colegas já estão
brigando pelos cargos", anunciava ele, "é Roubos e Furtos, é
Anti-Sequestro. Eu quero ser motorista do IML, trabalhar só oito horas a cada
quatro dias".
Vivo em um país onde um funcionário público
que chefia 100 outros funcionários é um servidor da nação, mas
um empresário que emprega 100 pessoas é um explorador do trabalho alheio.
Vivo em um país em que ser capitalista - gerar empregos e pagar os impostos que
alimentam o Estado - é pecado grave. É o que ensinamos há décadas em nossas
escolas e universidades.
Um país em que membros de um dos poderes da
República que prefiro não nomear (dica: não é o Executivo nem o Legislativo)
receberam, para fazer um curso de uma semana em Miami, o valor de R$ 7.275,00
(sete mil duzentos e setenta e cinco reais ) de diária (você
leu certo, mais de sete mil reais por dia). Esse é um país onde sindicatos
de empregados e empresas são financiados com tributos, onde associações
estudantis recebem verbas do governo, onde artistas famosos fazem shows
milionários pagos pelo Estado.
É claro que a história do Eike também tem
financiamento do BNDES, dinheiro de fundos de pensão estatais e envolvimento de
poderosos. Mas, lembrem-se, esse é um país onde se fazem leis para determinar o
tamanho padrão das mesas de sinuca dos botecos (pensam que estou brincando ? dá
um Google aí - foi em São Paulo) e obrigar os pescadores de beira de praia a
usar "colete flutuante com apito acoplado e tênis com sola de
borracha” (no Rio de Janeiro). Enquanto isso uma obra orçada em R$ 80
milhões acaba custando quase R$ 500 milhões (Cidade da Música, no Rio), emissários
submarinos jogam ao mar bilhões de litros de esgoto in natura e 50
mil pessoas são assassinadas por ano (para comparação: na Índia são 3 mil, na
China 9 mil, nos Estados Unidos 12 mil).
E eu quase falei mal do Eike - um sujeito que, bem
ou mal, teve a energia e a coragem para criar empresas, empregar pessoas,
sonhar sonhos de produção, de criação, de enriquecimento. Pode não ter dado
certo, e ele pode ter feito coisas erradas, mas assim é o capitalismo: ele deve
pagar por seus erros e dívidas e sair do caminho, outros vão
continuar de onde ele parou, dar um reboot nos seus sonhos. Serão minas,
portos, usinas e hotéis que continuarão existindo, gerando empregos e pagando
impostos.
O capitalismo não é feito só de sucesso. Ele é
feito de tentativa e erro, de muitas apostas que são perdidas e algumas poucas
que dão muito certo. Deixar de entender isso, e de incentivar os poucos
corajosos que ainda se dispõem a empreender, é a loucura do Brasil - uma
loucura que impede o progresso e eterniza no poder uma pequena casta de
privilegiados, sob o manto de um Estado que pode tudo.
Eu quase falei mal do Eike Batista.
Autor: Roberto Motta, carioca
adotivo, engenheiro, ativista comunitário e empresário. Seus interesses são
política, fotografia, literatura, tecnologia e tudo relacionado com o mar.
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