Por Ricardo Setti
Não tenham dúvidas, amigas e
amigos do blog: é alarmante constatar que o governo da presidente Dilma, neste
momento crucial da vida brasileira, com milhões de cidadãos protestando nas
ruas, está perdido, está no mato sem cachorro. A ministra Chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann nem ousa mais aparecer, fala muito pouco e o pouco que fala não diz coisa com coisa. Está tão perdida quanto sua chefe.
Nenhum chefe de Estado que
se preze faz uma solene proposta em rede nacional de TV — no caso, a de uma
constituinte para realizar uma reforma política, a ser convocada por
plebiscito, ideia esdrúxula sobre cuja forma de execução ninguém tinha a menor
ideia e que foi duramente combatida por diversos setores — para, 24 horas
depois, por vias indiretas e com seu governo mostrando visível desconforto,
recuar e dizer que não é bem assim.
Segundo
lembra o site de VEJA, “desde que foi alardeada pela presidente, pegando de
surpresa governadores e prefeitos que aguardavam o início de uma reunião em
Brasília, a ideia da Constituinte foi bombardeada por juristas, políticos da
base parlamentar do governo e da oposição, e, reservadamente, considerada
inviável por integrantes do Supremo Tribunal Federal. Pelo menos quatro
magistrados do STF procuraram líderes do governo e da oposição para alertar
sobre os riscos da proposta. Um dos ministros mais engajados enfatizou que o
anúncio da chefe do Executivo era um ‘golpe contra a democracia’”.
Dilma, que obviamente não
preparou devidamente, até por falta de tempo, a grande reunião com governadores
e prefeitos, como acentuei em post anterior, no fim das contas fez os
governadores e prefeitos de palhaços, por mais que, hoje, constrangidíssimo, o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tenha tentado justificar a proposta
da presidente:
– A presidente da República
falou em processo constituinte específico; ela não defendeu uma tese. Há várias
maneiras de fazer um processo constituinte específico. Uma delas seria a
convocação de uma Assembleia Constituinte, como muitos defendem. A outra forma
seria, através de um plebiscito, colocar questões que balizassem o processo
constituinte específico feito pelo Congresso. A presidente falou genericamente.
Falou “genericamente”? Quer
dizer que então se faz uma sugestão, na verdade concretíssima, ao conjunto da
cidadania, aos mais de 100 milhões de eleitores de todo um país, ao Senado, à
Câmara dos Deputados, à magistratura, à opinião pública internacional etc etc —
e, de repente, ela é “genérica”?
Dilma chefia um governo que
não conversa com ninguém (ela própria, segundo o ministro Gilberto Carvalho,
consulta-se basicamente com os ministros do Desenvolvimento, Fernando Pimentel,
seu amigo de juventude, e da Educação, Aloizio Mercadante, viciado em perder
eleições para o governo de São Paulo), que não ouve ninguém, que não controla
mais sua confusa e entrechocante base aliada, que não sabe o que fazer nem para
onde vai.
Mesmo agora, ao manter, com
modificações, a ideia nebulosa de um plebiscito — o Planalto divulgou nota
agora há pouco defendendo “a relevância de uma ampla consulta popular por meio
de um plebiscito” –, trocou-se a iniciativa de o povo decidir ou não pela convocação
de uma constituinte exclusiva por outra medida: os eleitores decidirão
diretamente se aprovam ou não temas específicos de reforma política que serão
propostos.
E então voltamos à estaca
zero: nunca houve consenso sobre questões cruciais da reforma política,
principalmente sobre a MÃE DE TODAS AS DISTORÇÕES — a desigual representação
proporcional dos Estados na Câmara dos Deputados, que faz um cidadão de Roraima
valer, em termos eleitorais, mais de dez vezes um cidadão que viva em São
Paulo. Da mesma forma, nunca se obteve consenso sobre se o voto deve ser
obrigatório ou não, sobre como se fazer o financiamento das campanhas, sobre se
haverá ou não voto distrital etc etc etc.
Há pelo menos 20 anos
discute-se uma reforma política no Congresso e nunca se conseguiu uma ampla
maioria para nada efetivamente relevante.
Como, então, poderá haver
consenso para decidir o que irá ser proposto ao eleitorado na cédula com a qual
ele votará no tal plebiscito? Quaisquer que sejam as perguntas, elas precisarão
passar pelo crivo do atual Congresso, e não há a menor dúvida de que serão
podadas.
Parece que ninguém no
governo pensou nisso. Uma prova mais de que estão perdidos, sem saber o que
fazer e para onde ir. No mato sem cachorro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário